sexta-feira, 30 de abril de 2010

Intolerância religiosa e marranismo

Ainda pensando na importância do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, que é comemorado no dia 21 de janeiro, e associando ao fato de que recentemente tenho conhecido em Maceió muitas famílias de origem judia, decidi escrever este artigo. Algumas famílias, apesar de saberem que são descendentes de judeus, não imaginam que muitos de seus hábitos e costumes cotidianos são judaicos.


Genealogistas estimam que cerca de um terço dos nordestinos tenham ascendência judaica. São os bnei anussim, que quer dizer filhos dos forçados. Também conhecidos como cristãos-novos ou marranos.


A partir do ano de 1497, com a instalação dos Tribunais da Inquisição, os judeus tiveram de escolher entre converter-se ao catolicismo, morrer, ou fugir, ocultando sua origem judaica. Muitos foram convertidos, submetendo-se a batismos confessionais, à troca de uma onomástica hebréia para uma de origem cristã, aos casamentos e ritos fúnebres, e também, à freqüência assídua nas missas e feriados religiosos. Tornaram-se católicos. Alguns, convictos, outros, somente por causa da sobrevivência. Entretanto, cultura, religião e tradições não se desvanecem facilmente e, não seria a severa perseguição que faria com que a essência judaica desse povo desaparecesse. Os cristãos-novos em sua maioria, eram católicos por fora, mas permaneciam, na medida do possível, judeus praticantes por dentro.


Um a cada três portugueses que chegaram ao Brasil na época da colonização era cristão-novo. Hoje, é possível encontrar muitas famílias cujos sobrenomes variam entre Andrade, Araújo, Bezerra, Cordeiro, Carvalho, Lemos, Freitas, Mendonça, Fonseca, Oliveira, Peres, Paes, Pereira, Rosa, Rodrigues, Serqueira, Silveira, Simões, Tavares, Vieira, entre outras, que possivelmente são famílias marranas. A lista é imensa, mas não quer dizer que possuir algum desses sobrenomes significa necessariamente ter ascendência judaica. O sobrenome é o início da investigação que deve ser seguida de levantamento de árvore genealógica, análise de costumes na família e até exame de DNA, se for necessário.


Além dos sobrenomes, há tradições judaicas facilmente detectadas em algumas famílias nordestinas, principalmente entre os membros mais idosos, como não comer carne de porco, peixe de couro ou frutos do mar; não comer nada com sangue (inclusive a tradicional galinha cabidela); acender vela na sexta-feira à noite; matar a galinha degolando-a e cavar um buraco no chão para escorrer todo o sangue; varrer a casa de fora para dentro para não trazer azar; enterrar o morto com mortalha; casamentos endogâmicos; negócios à base da confiança, a exemplo dos prestanistas; são alguns costumes que indicam na sociedade nordestina os resquícios da tradição judaica que sobreviveram aos tempos de perseguição que se encerraram formalmente no ano de 1821, em Portugal.


Durante os trezentos anos da Inquisição milhares de vidas judaicas se perderam em massacres e posteriormente também em assimilação. Contudo, segundo a historiadora da USP e estudiosa em Inquisição, a professora doutora Anita Novinsky, há uma ardente chama que o tempo não consumiu, há um 'outro' Brasil, subterrâneo e velado que palpita hoje nas franjas da sociedade brasileira, cuja história ainda tem de ser desvendada por aqueles que a vivem, e escrita pelos antropólogos e historiadores que a ouvirem.


Publicado em O Jornal de 5 de fevereiro de 2010

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