No findar da tarde do dia 29 de março começou o Pessach, a páscoa judaica. A festa comemora a libertação dos hebreus da escravidão no Egito e marca o nascimento do povo judeu. É a primeira das três grandes festas celebradas pelos judeus; sem ela, todas as outras – Shavuot e Sucot – não teriam sentido.
No calendário judaico, Pessach tem inicio no dia 14 de nissan e se estende por sete dias. É uma festa que reúne toda a família, sendo geralmente realizada nas casas. Todos sentam-se em cadeiras confortáveis e recostados em almofadas macias, pois, “agora não somos mais escravos para comer apressados ou de pé”.
A festividade começa com uma berachá (benção). Em Israel, o mês de nissan é primavera e Pessach marca o início da colheita; em sinal de agradecimento, serve-se as carpas (verduras). A refeição festiva inclui, a matsá (pão sem fermento), para manter viva a lembrança dos tempos de opressão no Egito e ensinar a nunca abusar do poder, a ajudar os necessitados e velar pelo direito do próximo, como foi dito pelos nossos sábios, de abençoada memória, “justiça e bondade é o que a matsá incute na consciência das gerações judaicas”; o marór (ervas amargas), simbolizando a amargura que os antepassados hebreus viveram no Egito; o chorósset (mistura de maça, nozes, canela e vinho), fazendo referência a ‘argamassa’ utilizada pelos israelitas no trabalho forçado de construção para o Faraó; a zerôa (carne assada), em recordação ao cordeiro que era sacrificado quando o Templo estava de pé; e o ovo cozido, além de símbolo de luto pela perda do Templo, também, pela sua forma, ensina que o mundo dá voltas, um consolo para os que vivem momentos difíceis, e uma advertência aos favorecidos pela sorte.
O primeiro dia da festa é chamado de Seder de Pessach, sendo o grande objetivo desta cerimônia cumprir o preceito bíblico: “E contarás a teu filho, naquele dia, dizendo: Pois isto fez Deus por nós quando saímos do Egito”. Por isso, a participação das crianças e jovens é fundamental para o andamento da celebração. Durante o Seder, é lida a Hagadá, um livreto, geralmente ilustrado, no qual está contida a história de Pessach. A leitura é entremeada por cânticos entoados em hebraico.
“Por que esta noite é diferente de todas as outras noites?”, é uma pergunta que sempre é feita pelas crianças judias. E nesse momento, os pais sempre explicam que nesta noite, o anjo da morte “passou por cima” (pessach) da casa dos israelitas, poupando os primogênitos. Que nesta noite, o Eterno estabeleceu juízo contra os inimigos de Israel. Que nesta noite, o Eterno libertou Israel da escravidão no Egito. Assim, ensinam aos filhos o sentido da festa, fortalecendo os laços de identidade judaica.
Antes de terminar a cerimônia, as crianças são convidadas para abrir a porta para Eliahu hanavi, Elias, o profeta. Segundo as Escrituras, o profeta Elias há de anunciar a chegada do Messias, que congregará os judeus dispersos em Israel. É com esse desejo ardente pela reconstrução do Templo e pelo retorno a Érets Israel, que ao final do sêder, em uníssono, todos dizem: Leshaná habá bIrushaláyim (ano que vem, em Jerusalém).
Publicado em O Jornal de 1º de abril de 2010
http://www.ojornalweb.com/2010/04/01/uma-noite-diferente-de-todas-as-outras/
sexta-feira, 30 de abril de 2010
Purim, o Carnaval judaico
A festa de Purim é comemorada todos os anos nos dias 14 e 15 do 12º mês do calendário (religioso) judaico, que é o mês de Adar, que no nosso calendário, em 2010, é a partir do pôr-do-sol do dia 27 de fevereiro. As origens da festa são relatadas no livro de Ester, sendo o único livro da Bíblia Hebraica que não faz menção direta a Deus, seu nome ou atributos.
A história acontece durante o reinado de Assuero (Xerxes), que foi rei da Pérsia e Média há 2.365 anos, época em que o primeiro Templo estava destruído e o povo judeu disperso. Assuero havia escolhido a jovem e bela Ester para ser rainha, mas não sabia que ela era judia, nem que era prima e filha adotiva de Mordechai.
Como tem acontecido na história do povo judeu até hoje, sempre se levantam inimigos, e naquela época foi Haman, o mais importante dos ministros do rei. Irou-se Haman contra os judeus, procurando destruí-los, ao perceber que quando passava, o judeu Mordechai não se inclinava, nem se prostrava. Haman lançou “pur”, ou seja, sorte, para determinar qual seria o dia da execução dos judeus e o dia sorteado foi 13 de Adar. Depois de conseguir a autorização real, enviou cartas a todas as províncias e a todos os povos sob o domínio do rei Assuero determinando que no dia 13 de Adar todos os judeus, homens, mulheres, velhos e crianças, deveriam ser eliminados e os seus bens saqueados. As cartas foram seladas com o anel do rei, o que significa que não poderiam ser revogadas.
Ao saber da determinação de Haman, Mordechai procurou Ester para informar-lhe do acontecido e solicitar que ela intercedesse ao rei pelo povo judeu. Havia um costume na época em que uma pessoa só poderia ir à presença do rei sendo chamado, caso contrário a pena podia ser a morte, e há 30 dias o rei não chamara Ester. Após um jejum de 3 dias, Ester revestiu-se de coragem e foi à presença do rei.
Assuero ergueu o cetro de ouro, indicando ser Ester bem-vinda e disse: “Qual é a tua petição e se dará a ti! O que desejares, cumprir-se-á, ainda que seja a metade do reino!” Ester ofereceu 2 banquetes ao rei e a Haman e disse que sua petição era pela sua vida e pela vida de seu povo. O rei, que até então desconhecia a origem judaica da rainha, tirou de Haman o anel real, condenando-o à forca, e deu a Mordechai, primo de Ester.
Como a carta de Haman não poderia ser revogada, por ter o selo real, Mordechai escreveu ao povo uma outra carta, em nome do rei, concedendo aos judeus o direito de se reunirem para se defenderem de quem se levantasse contra eles, suas mulheres, seus filhos, ou que saqueassem seus bens. A carta de Mordechai causou grande alegria para os judeus.
No dia 13 de Adar, os judeus se reuniram para defender a vida e nos dias 14 e 15, descansaram, fizeram dias de banquetes, de festa, de alegria e dia de enviar porções de comida uns aos outros. Mordechai e Ester escreveram cartas a todos os judeus ordenando a comemorar todos os anos os dias 14 e 15 de Adar, como dia em que os judeus tiveram sossego de seus inimigos, mês em que se mudou de tristeza para alegria, de dia de luto para dia de festa, para que se fizessem banquetes de alegria e mandassem porções de comida uns aos outros e dádivas aos pobres.
Hoje, além dos banquetes e festas, é costume comemorar Purim com a leitura do Meguilat Ester (livro de Ester). Em Israel, na cidade de Tel Aviv, Purim é celebrada com uma festa chamada Adlayadá, algo semelhante ao carnaval, quando as pessoas usam fantasias, trocam presentes, e saúdam umas as outras com Chag Purim Sameach! (Feliz Festa das Sortes!).
Publicado em O Jornal de 19 de fevereiro de 2010
A história acontece durante o reinado de Assuero (Xerxes), que foi rei da Pérsia e Média há 2.365 anos, época em que o primeiro Templo estava destruído e o povo judeu disperso. Assuero havia escolhido a jovem e bela Ester para ser rainha, mas não sabia que ela era judia, nem que era prima e filha adotiva de Mordechai.
Como tem acontecido na história do povo judeu até hoje, sempre se levantam inimigos, e naquela época foi Haman, o mais importante dos ministros do rei. Irou-se Haman contra os judeus, procurando destruí-los, ao perceber que quando passava, o judeu Mordechai não se inclinava, nem se prostrava. Haman lançou “pur”, ou seja, sorte, para determinar qual seria o dia da execução dos judeus e o dia sorteado foi 13 de Adar. Depois de conseguir a autorização real, enviou cartas a todas as províncias e a todos os povos sob o domínio do rei Assuero determinando que no dia 13 de Adar todos os judeus, homens, mulheres, velhos e crianças, deveriam ser eliminados e os seus bens saqueados. As cartas foram seladas com o anel do rei, o que significa que não poderiam ser revogadas.
Ao saber da determinação de Haman, Mordechai procurou Ester para informar-lhe do acontecido e solicitar que ela intercedesse ao rei pelo povo judeu. Havia um costume na época em que uma pessoa só poderia ir à presença do rei sendo chamado, caso contrário a pena podia ser a morte, e há 30 dias o rei não chamara Ester. Após um jejum de 3 dias, Ester revestiu-se de coragem e foi à presença do rei.
Assuero ergueu o cetro de ouro, indicando ser Ester bem-vinda e disse: “Qual é a tua petição e se dará a ti! O que desejares, cumprir-se-á, ainda que seja a metade do reino!” Ester ofereceu 2 banquetes ao rei e a Haman e disse que sua petição era pela sua vida e pela vida de seu povo. O rei, que até então desconhecia a origem judaica da rainha, tirou de Haman o anel real, condenando-o à forca, e deu a Mordechai, primo de Ester.
Como a carta de Haman não poderia ser revogada, por ter o selo real, Mordechai escreveu ao povo uma outra carta, em nome do rei, concedendo aos judeus o direito de se reunirem para se defenderem de quem se levantasse contra eles, suas mulheres, seus filhos, ou que saqueassem seus bens. A carta de Mordechai causou grande alegria para os judeus.
No dia 13 de Adar, os judeus se reuniram para defender a vida e nos dias 14 e 15, descansaram, fizeram dias de banquetes, de festa, de alegria e dia de enviar porções de comida uns aos outros. Mordechai e Ester escreveram cartas a todos os judeus ordenando a comemorar todos os anos os dias 14 e 15 de Adar, como dia em que os judeus tiveram sossego de seus inimigos, mês em que se mudou de tristeza para alegria, de dia de luto para dia de festa, para que se fizessem banquetes de alegria e mandassem porções de comida uns aos outros e dádivas aos pobres.
Hoje, além dos banquetes e festas, é costume comemorar Purim com a leitura do Meguilat Ester (livro de Ester). Em Israel, na cidade de Tel Aviv, Purim é celebrada com uma festa chamada Adlayadá, algo semelhante ao carnaval, quando as pessoas usam fantasias, trocam presentes, e saúdam umas as outras com Chag Purim Sameach! (Feliz Festa das Sortes!).
Publicado em O Jornal de 19 de fevereiro de 2010
Intolerância religiosa e marranismo
Ainda pensando na importância do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, que é comemorado no dia 21 de janeiro, e associando ao fato de que recentemente tenho conhecido em Maceió muitas famílias de origem judia, decidi escrever este artigo. Algumas famílias, apesar de saberem que são descendentes de judeus, não imaginam que muitos de seus hábitos e costumes cotidianos são judaicos.
Genealogistas estimam que cerca de um terço dos nordestinos tenham ascendência judaica. São os bnei anussim, que quer dizer filhos dos forçados. Também conhecidos como cristãos-novos ou marranos.
A partir do ano de 1497, com a instalação dos Tribunais da Inquisição, os judeus tiveram de escolher entre converter-se ao catolicismo, morrer, ou fugir, ocultando sua origem judaica. Muitos foram convertidos, submetendo-se a batismos confessionais, à troca de uma onomástica hebréia para uma de origem cristã, aos casamentos e ritos fúnebres, e também, à freqüência assídua nas missas e feriados religiosos. Tornaram-se católicos. Alguns, convictos, outros, somente por causa da sobrevivência. Entretanto, cultura, religião e tradições não se desvanecem facilmente e, não seria a severa perseguição que faria com que a essência judaica desse povo desaparecesse. Os cristãos-novos em sua maioria, eram católicos por fora, mas permaneciam, na medida do possível, judeus praticantes por dentro.
Um a cada três portugueses que chegaram ao Brasil na época da colonização era cristão-novo. Hoje, é possível encontrar muitas famílias cujos sobrenomes variam entre Andrade, Araújo, Bezerra, Cordeiro, Carvalho, Lemos, Freitas, Mendonça, Fonseca, Oliveira, Peres, Paes, Pereira, Rosa, Rodrigues, Serqueira, Silveira, Simões, Tavares, Vieira, entre outras, que possivelmente são famílias marranas. A lista é imensa, mas não quer dizer que possuir algum desses sobrenomes significa necessariamente ter ascendência judaica. O sobrenome é o início da investigação que deve ser seguida de levantamento de árvore genealógica, análise de costumes na família e até exame de DNA, se for necessário.
Além dos sobrenomes, há tradições judaicas facilmente detectadas em algumas famílias nordestinas, principalmente entre os membros mais idosos, como não comer carne de porco, peixe de couro ou frutos do mar; não comer nada com sangue (inclusive a tradicional galinha cabidela); acender vela na sexta-feira à noite; matar a galinha degolando-a e cavar um buraco no chão para escorrer todo o sangue; varrer a casa de fora para dentro para não trazer azar; enterrar o morto com mortalha; casamentos endogâmicos; negócios à base da confiança, a exemplo dos prestanistas; são alguns costumes que indicam na sociedade nordestina os resquícios da tradição judaica que sobreviveram aos tempos de perseguição que se encerraram formalmente no ano de 1821, em Portugal.
Durante os trezentos anos da Inquisição milhares de vidas judaicas se perderam em massacres e posteriormente também em assimilação. Contudo, segundo a historiadora da USP e estudiosa em Inquisição, a professora doutora Anita Novinsky, há uma ardente chama que o tempo não consumiu, há um 'outro' Brasil, subterrâneo e velado que palpita hoje nas franjas da sociedade brasileira, cuja história ainda tem de ser desvendada por aqueles que a vivem, e escrita pelos antropólogos e historiadores que a ouvirem.
Publicado em O Jornal de 5 de fevereiro de 2010
Genealogistas estimam que cerca de um terço dos nordestinos tenham ascendência judaica. São os bnei anussim, que quer dizer filhos dos forçados. Também conhecidos como cristãos-novos ou marranos.
A partir do ano de 1497, com a instalação dos Tribunais da Inquisição, os judeus tiveram de escolher entre converter-se ao catolicismo, morrer, ou fugir, ocultando sua origem judaica. Muitos foram convertidos, submetendo-se a batismos confessionais, à troca de uma onomástica hebréia para uma de origem cristã, aos casamentos e ritos fúnebres, e também, à freqüência assídua nas missas e feriados religiosos. Tornaram-se católicos. Alguns, convictos, outros, somente por causa da sobrevivência. Entretanto, cultura, religião e tradições não se desvanecem facilmente e, não seria a severa perseguição que faria com que a essência judaica desse povo desaparecesse. Os cristãos-novos em sua maioria, eram católicos por fora, mas permaneciam, na medida do possível, judeus praticantes por dentro.
Um a cada três portugueses que chegaram ao Brasil na época da colonização era cristão-novo. Hoje, é possível encontrar muitas famílias cujos sobrenomes variam entre Andrade, Araújo, Bezerra, Cordeiro, Carvalho, Lemos, Freitas, Mendonça, Fonseca, Oliveira, Peres, Paes, Pereira, Rosa, Rodrigues, Serqueira, Silveira, Simões, Tavares, Vieira, entre outras, que possivelmente são famílias marranas. A lista é imensa, mas não quer dizer que possuir algum desses sobrenomes significa necessariamente ter ascendência judaica. O sobrenome é o início da investigação que deve ser seguida de levantamento de árvore genealógica, análise de costumes na família e até exame de DNA, se for necessário.
Além dos sobrenomes, há tradições judaicas facilmente detectadas em algumas famílias nordestinas, principalmente entre os membros mais idosos, como não comer carne de porco, peixe de couro ou frutos do mar; não comer nada com sangue (inclusive a tradicional galinha cabidela); acender vela na sexta-feira à noite; matar a galinha degolando-a e cavar um buraco no chão para escorrer todo o sangue; varrer a casa de fora para dentro para não trazer azar; enterrar o morto com mortalha; casamentos endogâmicos; negócios à base da confiança, a exemplo dos prestanistas; são alguns costumes que indicam na sociedade nordestina os resquícios da tradição judaica que sobreviveram aos tempos de perseguição que se encerraram formalmente no ano de 1821, em Portugal.
Durante os trezentos anos da Inquisição milhares de vidas judaicas se perderam em massacres e posteriormente também em assimilação. Contudo, segundo a historiadora da USP e estudiosa em Inquisição, a professora doutora Anita Novinsky, há uma ardente chama que o tempo não consumiu, há um 'outro' Brasil, subterrâneo e velado que palpita hoje nas franjas da sociedade brasileira, cuja história ainda tem de ser desvendada por aqueles que a vivem, e escrita pelos antropólogos e historiadores que a ouvirem.
Publicado em O Jornal de 5 de fevereiro de 2010
Assinar:
Postagens (Atom)